A fama é difícil mesmo. Essas pessoas privilegiadas sofrem escondidas de nós, reles população geral. Alguns se matam, ou morrem, devido ao tamanho desconforto que sentem em ser famoso. Outros não, exercem a função com o empenho de qualquer bom trabalhador em seja lá qual for o emprego. E o mundo necessita destes trabalhadores. É matéria prima pra toda mídia, televisão, noticiário, desde a Bravo até a revista de fofoca no caixa do supermercado. Por isso é bom mesmo que eles trabalhem pesado. Susan Boyle não estava pronta nem para a Inglaterra. Obama estava preparadíssimo pra tudo, inclusive para a presidência dos Eua. Além de um bom líder político, os americanos estavam precisando do carisma de Barack pra superar a apatia da era Bush.
E o humor deles parece ter melhorado mesmo. Depois de Obama, a celebridade do ano é Lady Gaga, uma cantora tresloucada e descaradamente pop com muita atitude e visual peculiar. O jornalista americano Tony Sclafani traçou um paralelo entre o sucesso do presidente democrata e da cantora dance, apontando que tempos de esperança se refletem em uma estética de música dançante e escapista. A teoria é difícil de engolir, mas na prática confere. É intenso o fervor que provocam na mídia a cada simples frase ou pose, e tanto calor humano provocaria fissuras na América conservadora de Bush.
Lady Gaga é esperta, cercou-se de jovens talentos para cuidarem da parte artística, num coletivo aos moldes da Factory de Andy Warhol, a “Haus of Gaga”. Como Madonna e tantos outros antes e depois ensinaram, sabe que a ousadia visual do espetáculo pop é tão importante quanto a música, por isso não tem nenhum pudor ao se vestir e exibe-se por aí em modelitos tão exuberantes que fazem pensar se ela não passa frio, e outras coisas mais. Lady Gaga é obcecada pela fama e demonstra capacidade magistral para a função. É sempre debochada e esdrúxula quando canta, dança e especialmente quando se veste. Compõe, toca piano, “Fame”, seu primeiro disco, já tem uns seis videoclipes (“Paparazzi” é seu auge até agora), “Disco Heaven” circula pela rede com as inéditas.
Anos 70, David Bowie, Studio 54, a Mídia e a Fama estão entre suas influências, declaradas a Paris Hilton, alguém melhor? Talvez David Bowie, que sabe muito sobre “Fame” e “Fashion”. Gaga, num de seus atrevimentos, surrupiou o clássico riff de “Fame”, música do nosso querido camaleão, chupada até mesmo por James Brown. E ela ainda diz por cima: “This beat is so funny, we made it with their money, haha hahahahaha”. Mas por cima do riff comprado de Bowie, a música vira “Fancy Pants”, que lembra Beck encarnando Prince (no disco Midnite Vultures), e Prince consequentemente, deixando o riff de Bowie esquecido de fundo.
Lady Gaga não é inovadora como Prince, Beck ou Bowie, mas é surpreendente. Sua irreverência segue a linha de Carmen Miranda, nascida a cem anos atrás, que cantava, dançava e se vestia esdruxulamente já em outras épocas. Uma entertainer completa, profissional, que trabalha muito, pondera nos detalhes e administra muito bem seu personagem. “A nova Madonna” parece até um termo cunhado especialmente para Lady Gaga, mas o frescor da novidade é revigorante para a música pop. O profissionalismo de Gaga contrasta com o abandono às drogas de Amy Winehouse, e sua ascensão à fama através das vias tradicionais das grandes gravadoras parece um retrocesso frente ao domínio atual da Internet sobre o mundo da música.
O trunfo de Lady Gaga é ser talentosa e conseguir exercer sua criatividade artística enquanto sua carreira deslancha aos moldes da indústria fonográfica em seu auge, fórmula dos grandes ídolos da música pop. Se segue a linha de cantoras pré fabricadas como Britney Spears e Cristina Aguilera, usa tal semelhança como usa de suas roupas escandalosas, apenas uma fantasia pop para conquistar o público. Lady Gaga abusa de seus trajes com a segurança de que amanhã pode mudar de roupa, e continuar se dando bem. “Don’t you wanna see these clothes on me?” ela diz em “Fashion”, antecipando os desejos do público. Versátil, Gaga segue a moda, mas a sua própria. Sem copiar tendências e estilos, sem ser um fruto direto da Internet e sem cair na linha de produção da indústria fonográfica que tudo padroniza, Lady Gaga é um alienígena na música pop atual, um verdadeiro talento do entretenimento, daqueles que se mede pelo carisma, não só pelos números. Deixando pra trás Britney, Bush e outros fantoches vazios de conteúdo que dominaram os anos 2000 até agora, Gaga é carisma puro, a popstar ideal pra era Obama.







